Paradigmas da Loucura
26/04/2011 às 3:28 | Publicado em Baú de livros | 1 Comentário
Tags: loucura, sociologia

Este livro, com o subtítulo “Uma breve incursão histórico-literária“, do professor cearense Odailson da Silva, faz um retrospecto histórico-literário do tema desde os primórdios da sociedade grega até nossos dias de sociedade consumista-drogadicta. Questiona, com base filosófica, o que vem a ser a ‘doença mental’ e o seu paciente (cliente nos dias atuais). Assim o autor passeia com o leitor por Aristóteles, Sócrates e Platão; Aristófanes, Sófocles e Hipócrates; Cristo e os loucos imperadores romanos; Dante e sua comédia; Erasmo e o seu Elogio; Nietzsche e seu Zaratustra; Morin, Descartes, Kant, Shopenhauer e Hegel; Saramago, Machado, Guimarães Rosa, Rubem Alves, Milton Santos, Lima Barreto, Shakespeare, Borges. Dostoievski e Allan Poe; Comte, Marx, Freud e Lacan. Não bastassem esses companheiros desta bela viagem, ainda há Lulu Santos, Cazuza e Legião e no final ele nos brinda com uma análise filosófica interessante e inusitada, para mim, do filme Matrix. Ia me esquecendo de dois: Foucault e Pinel. O primeiro como que resume o livro quando diz: “a loucura não reside na calota craniana, mas na cultura”. O segundo para mim foi personagem central da obra porque conseguiu quebrar o maior paradigma histórico desta área: humanizar o doente mental. Após a Revolução Francesa, este médico francês assume posto de comando na área de saúde e resolve romper os grilhões (literalmente porque os doentes viviam acorrentados), danto um tratamento mais dígno, com higiene e boa alimentação. E vejam como ás vezes a História e a sociedade é cruel: hoje em dia se diz que ‘fulano está pinel’, ‘cicrano foi para o pinel’…

Como não encontrei o livro na grande rede, resolvi digitar algumas passagens que julguei mais interssante e brindar meus leitores. Clique na continuação deste post para ler:


ROMA ANTIGA – TEMPOS MODERNOS, CIRCO E FUTEBOL

“A esta época predominava a política do circo e do pão. Aos domingos, personificado na Idade Média como a figura do senhor feudal, era o dia sagrado para os cristãos, em que os escravos de guerra, bem como os cristãos, eram lançados na arena diante de uma platéia enorme vigrava ao ver feras trucidarem as ndefesas vítimas. Isso se constituia num divertimento e catarse para um povo que vivia em regime de semiescravidão. Em tempos modernos há como simulacro os jogos de futebol, em que a massa a quem Karl Max (1818 – 1883) chamou de lupemproletariado, o qual, após uma semana de exploração do único bem que possui – sua força de trabalho – magnetizado por uma exaustiva propaganda sempre imperativa arrasta multidões às novas arenas, os estádios, a fim de assistirem a uma ‘luta’ permeada por interesses meramente mercantilistas, tendo, ao final, um único perdedor, o torcedor/telespectador”.

ELOGIO DA LOUCURA – ERASMO DE ROTTERDAM

“A linha de abertura do livro já nos ilustra como será o desabafo de nossa tão incompreendida Loucura: ‘Digam de mim o que quiserem (pois não ignoro como a Loucura é difamada todos os dias, mesmo por aqueles que são os mais loucos), sou eu, no entanto, somente eu, por minhas influências divinas, que espalho alegria sobre os deuses e os homens’. … A protagonista ainda afirma: ‘É claro que todas as paixões desregradas são produzidas por mim. Pois toda a diferença entre um louco e um sábio é que o primeiro obedece às suas paixões e o segundo à sua razão. No entanto, são essas paixões que servem de guia aos que seguem com ardor o caminho da sabedoria; são elas que os estimulam a cumprir os deveres da virtude, inspirando-lhes o pensamento e o desejo de fazer o bem. Um sábio sem paxões não seria mais um homem, seria uma espécie de deus, ou melhor, um ser imaginário que jamais existiu e jamais existirá, um ídolo estúpido, desprovido de todo sentimento humanho e tão insensível quanto o mármore mais duro”.

DESCARTES E SARAMAGO

“Descartes, por vezes chamado de ‘o fundador da filosofia moderna’, é considerado um dos pensadores mais influentes da Hitória Ocidental. Inspirou contemporâeos de várias gerações de filósofos posteriores e boa parte da filosofia escrita a partir de então foi uma tentativa de amplidão de seu pensar por autores, ou influenciados por ele, ou reacionários a seu pensamento. Muitos especialistas afirmam que Descartes inaugurou o racionalismo na Idade Moderna.

Em 1667, depois de sua morte, a Igreja Católica colocou suas obras no Index Librorum Prohibitorum (Índices dos Livros Proibidos), validado até os dias atuais, como pode-se perceber pela inclusão de autores contemporâneos como Dan Brown, Umberto Eco e José Saramago, que, dada a sua excomunhão, comentou: ‘Como posso ser expulso de um lugar onde nunca estive?’”.

SHAKESPEARE E BORGES

“A atualidade da obra shakesériana é, portanto, assustadora. Para o genial Jorge Luis Borges, Shakespeare foi tantos homens sem ser um. Num conto intitulado ‘Everything and Nothing’, em ‘O Fazedor’, que termina com uma conversa entre Deus e Shakespeare, o escritor desabafa: ‘Eu, que tantos homens fui em vão, quero ser um e eu’. Ao que Deus responde: ‘Eu tampouco sou; sonhei o mundo como sonhastes a tua obra, meu Sheakespeare, e entre as formas do meu sonho estas tu, que como eu és muitos e ninguém’”.

RUBEM ALVES

“’Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto é que aceitei.

Mas foi só parar para pensar que me arrependi. Percebi que nada sabia. Eu me explico. Comecei o meu pensamento fazendo uma lista que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para minha alma. Nietzche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakovski. E logo me assustei. Nietzche ficou louco. Fernando Pessoa era dado a bebida. Van Gogh matou-se. Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakovski suicidou-se.

Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser o pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos. Mas será que tinham saúde mental ? Saúde mental, essa condição em que as idéias comportam-se bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado; nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme) ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou’”.

LIMA BARRETO, MILTON SANTOS E A INVASÃO DO COMPLEXO DO ALEMÃO

“Lima Barreto era considerado um rebelde social, indignando-se com as injustiças sociais predominantes na República Velha, sobretudo aquelas contra negros alforriados, porém, presos pelas restrições estatais, pelo preconceito, pela discriminação, agregados ao paroxismo com as diversas formas de violências e arbótrios da sociedade (Estado) carioca”. Quando a isso, o mestre Milton Santos, negro e intelectual como LIma, anos mais tarde, ao ver a multidão de negros e seus descendentes (nordestinos) aportarem no Rio de Janeiro, que não tendo como fixar-se na planície (lugar dos incluídos) subiram os morros (favelas), vaticinara: ‘Esse negro que hoje sobe, um dia vai descer para cobrar a dívida social acumulada desde a colônia’. A invasão do complexo do alemão foi, a meu ver, a ‘derrama’ da dívida. Basta lembrar que antes dela os negros desceram. E o Estado que expusou os marginalizados para os morros no passado, e não subiu com políticas públicas, teve que subir com suas forças policiais e artibrárias, tomando um território que sempre estivera sitiado”.

EDGAR ALLAN POE

“Certa vez Edgar Allan Poe, quando caracterizado como louco por uma série de pessoas, escreveu: ‘Resta-nos saber se a loucura não representa talvez a forma mais elevada de inteligência’. É patente o número de evidências científicas de que a criatividade e insanidade mental andam de fato muito próximas”.

CAPITALISMO, CONSUMISMO, TV, KARL MARX E EMILE DURKHEIM

“O capitalismo é uma fábrica de loucura! Aquil dito normal é justamente uma adequação da lei do mercado independente, contanto que, mesmo contraditória, sujeite o cidadão á obediência cega ao Estado. A violação ou incapacidade de obediência à norma (estar inserido no mercado de trabalho e consequentemente no mercado consumidor) acarretará a inevitável exclusão, retirada do cidadão do seio social, por ser esse perigoso, nocivo e poder contaminar os ‘normais’. Trata-se de uma espécie de ‘Categoria Fundante’, termo tomado de empréstimo do proeminente sociólogo Karl Marx. Se você não dispuser de alguns requisitos não poderá adentrar, nem tampouco permanecer no ‘mundo dos normais’. Entre todos esses quesitos, o mais importante é ‘não pensar’, que se arvora igualmente a uma lobotomia consciencial. Para isso, vai se assegurar de todo um aparato midiático e propagandista. Basta-nos observar as propagandas comerciais que são intencionalmente no imperativo. A grade de programação das emissoras de TV, também de rádio e alguns sites da Internet, servem a esta finalidade – manter a grande maioria dos normais constantemente ocupados em não pensar.

O notável sociólogo Emile Durkheim aduzia: ‘A sociedade exerce uma força de coerção sobre o indivíduo, determinando sua forma de pensar, agir e sentir’. Assim sendo, esta sociedade capitaista excluirá aqueles que não estejam em harmonia com seu modus vivendi, que pense, ‘o louco’. Entretanto, ao alijá-lo, deve-se responsabilizar por eles, uma vez que já não podem, ou podem só parcialmente, cumprir seus deveres (leia-se produzir), pois, ser inserido socialmente é mostrar-se capaz de se esquecer que pensa, produzindo e consumindo até que a morte os separe. Se o herege da Idade Média era perseguido e condenado pela Igreja Católica, o louco de hoje é que deve ser acossado e mortificado no obscuro mundo dos hospitais psiquiátricos e manicômios, como dito enfaticamente nesta obra”

DROGAS, LACAN, CONSUMUISMO, HOMUS PENSANDIS x HOMUS AUTOMATICUS

Urge trazer à tona o núcleo ou o enfoque da exisência humana. Uma vez feito isto, compreenderemos que a pessoa dependente não adoeceu porque começou a usar droga, porém por estar adoecida existencialmente, buscou nas drogas uma ‘solução’ ou ‘cura’ para suas feridas e dores mais lancinantes. Um grave entrave que se instala e a necessidade do sentimento de presença social, importantíssimo para os jovens, como diria o sábio Jaques Lacan. E isso porque é justamente no convivio social que a aparência sobrepuja a essência. Por meio da mídia, mormente a televisiva, as formas de pensar, agir e sentir do sujeito são moldadas. A intenção é nos fazer acreditar que o verdadeiro valor das coisas encontra-se nos objetos externos. Á medida que a pessoa obtiver mais recursos econômicos, mais se sentirá identificada com seu meio social, pois passará a ter um lugar no corpo social.

Então, ideologicamente, somos levados a aceitar como natural e verdadeira a premissa de que os valores estão nos objetos de consumo. O problema é que, frutos de uma cultura do consumo, nossa pequenez toma forma, desde a mais tenra idade, levando-nos a crer que a tão sonhada felicidade não só existe como é tangível e material, ocupando lugar no tempo e no espaço. Essa afirmação é pautada na idéia enviesada de que em um objeto ou em alguém encontraremos nossa felicidade. Daí o fetichismo das mercadorias. Os objetos passaram a ter o poder que , outrora, havíamos concedido à Metafísica: religiões e deuses . Profanamos o sagrado em nome da felicidade. Nossos templos foram substituídos pelos shoppings centers e nossa reverência ao sacerdote à adoração dos objetos de consumo. Tudo isso regido pela batuta do capitalismo selvagem. E o resultado é frustração e angústia.

A consequência disso tudo é impreterivelmente a condução do sujeito a relacionar-se com o outro como uma não-pessoa, ou seja, ocorre uma reificação (coisificação) onde o outro é uma coisa-objeto. A questão se agrava quando o indivíduo se autoengana, acreditando que os padrões de consumo serão soluções para suas angústias. Há solução sim, e esta reside na mudança de posicionamento diante do mundo e do outro. …

Em essência, o consumismo colabora para que todos pensem da mesma forma. Porque quando isso acontece, ou seja, todos pensarem a mesma coisa, tmeos o equivalente ao não-pensar. O homus pensandis foi substituído pelo homus automaticus.

fonte: Zeducando http://joserosafilho.wordpress.com

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